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ENTREVISTA COM 
FAEL ROCHA

Por Sara Miranda

E o convidado da série de entrevista do site dessa vez, é o artista sergipano Fael Rocha. O artista sempre se interessou pelas formas de expressão artísticas, como a ilustração, a música, escultura, bordado, dança, etc. Gostava de visitar Mestre Tonho em seu ateliê enquanto esculpia na madeira, e acompanhar as apresentações de xaxado e quadrilhas juninas de Poço Redondo.

Sara Miranda: Como você se descobriu artista visual e como foi seu processo de formação considerando a educação informal, formal e não formal?

Fael Rocha : Desde minha infância sempre me interessei pelas artes, tendo minha avó materna Dona Maria de Lurdes, como principal incentivadora. Porém o auto reconhecimento enquanto artista visual é um processo bastante difícil, pois levanta para mim 2 pontos muito importantes: O primeiro seria o imaginário do que seria um artista visual, que comumente está associado a uma ideia eurocêntrica, que propõem o artista como um ser endeusado, que por si só já é um problema. E o segundo é que o auto reconhecimento como artista está atrelado a autoestima, que para mim, enquanto homem negro, gay, afeminado, sertanejo, precisa ser trabalhada diariamente. Então o auto- descobrimento como artista se deu quando me percebi uma pessoa capaz de expressar minha emoções e sentimentos de forma criativa e subjetiva, e assim me comunicar com outras pessoas. Sobre a minha formação posso dizer que sempre me interessei pelas forma de expressão artísticas, não só a ilustração, mas também a música, escultura, bordado, dança,etc.

 

Gostava de visitar Mestre Tonho em seu ateliê enquanto esculpia na madeira, e acompanhar as apresentações de xaxado e quadrilhas juninas de Poço Redondo. Sendo um menino do interior de Sergipe, nunca tive acesso a galerias, oficinas de desenho/pintura ou escolas de artes. Mesmo o ensino de artes das escola era bastante precário, seja pela falta de materiais ou de Professores com formação na área, de modo que minha formação teve um início autodidata. Em 2015 ingressei na Universidade Federal de Sergipe, para então cursar Licenciatura em Artes Visuais, o que me possibilitou aprender de modo formal novas técnicas de pintura, escultura, desenho, etc. Mesmo que a maioria dos componentes desestimulassem a produção artística, a formação acadêmica constitui uma parte muito importante em minha jornada enquanto artista visual. Por meio da universidade tive contato com outros artistas com quem também pude aprender bastante. Alguns deles mantenho contato até hoje, seja por meio de coletivos, parcerias ou amizades.

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Fael Rocha. Na foto o artista mostra uma de suas obras.  Foto: divulgação
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Sara Miranda: Em suas obras, você propõe um exame das questões sociais, principalmente sobre o corpo negro e suas relações com a sociedade contemporânea. Poderia falar um pouco do seu trabalho e suas pesquisas?

Fael Rocha:  Em meu trabalho estabeleço uma relação muito próxima com o corpo, sendo um importante símbolo que utilizo para comunicar e traduzir situações e sentimentos. O corpo desviante (negro, nordestino, afeminado) que habito está presente em meu trabalho de duas formas: Na primeira e mais figurativa, o corpo aparece em vermelho e sem a cabeça, como uma metáfora para o coração. Esse forte símbolo que para nós representa a afetividade, em meus trabalhos é ilustrado por um corpo que irá vivenciar situações alegóricas em um cenário subjetivo e surreal. Sendo assim, uma tradução visual do que se passa dentro do universo particular que cabe no peito. Na segunda e mais metafórica, o corpo aparece na relação que estabeleço entre corpo e casa – espaços que habito. Buscando por meio da reconfiguração e a subversão da lógica usual de objetos do cotidiano, transpor minhas inquietações, meus afetos e delírios. Nesses trabalhos dedico-me expressar a dimensão afetiva, pois sinto que esse ponto não tem a atenção que merece.

 

Nossos afetos foram roubados de nós, e por muito tempo tentaram nos desumanizar, o que reflete até hoje na nossa forma de se relacionar afetivamente. Citando Bell Hooks “Nós negros temos sido profundamente feridos, como a gente diz, “feridos até o coração”, e essa ferida emocional que carregamos afeta nossa capacidade de sentir e consequentemente, de amar. Somos um povo ferido. Feridos naquele lugar que poderia conhecer o amor, que estaria amando. A vontade de amar tem representado um ato de resistência para os Afro-Americanos. Mas ao fazer essa escolha, muitos de nós descobrimos nossa incapacidade de dar e receber amor.” Sendo assim, pretendo com esses trabalhos alcançar outras pessoas que compartilhem desse sentimentos, para que se sintam acolhidas ou tocadas de alguma forma. (para que se sintam abertas a sentir). Atrelado a isso, também desenvolvo uma pesquisa plástica em artes visuais, que traz um outro modo de referenciar minha origem do alto sertão sergipano, sem recair em estereótipos do que seriam a nossa identidade cultural e produção artística. Busco evidenciar as possibilidades expressivas e as empregabilidades artísticas dos saberes tradicionais do sertão com uma roupagem contemporânea. Não sendo apenas uma volta às raízes num sentindo de um regionalismo, mas sim uma conexão com o território, responsável por grande parte de minha formação estética.

Sara Miranda: Qual a sua percepção em relação a divulgação do seu trabalho nos órgãos culturais do Estado? 

Fael Rocha: A divulgação de trabalhos artísticos se dá com viabilização de espaço e oportunidades criados para que os artistas possam ocupar, sem boicotes ou favoritismos. É certo afirmar que mesmo sendo poucos e precários, esses espaços existem, porém não me sinto acolhido por eles.

Sara Miranda: Como você tem acompanhado a produção contemporânea de autoria negra no Estado de Sergipe?

Fael Rocha: O que tenho acompanhado tem sido em sua maior parte por meio das redes sociais, que de certo modo auxilia a potencializar o alce desses trabalhos. Com a Lei Aldir Blanc que contemplou vários artistas locais, pude ter a oportunidade de vê algumas dessas produções formato de exposição e seus desdobramento, como também conhecer novos artistas. Não se pode negar o poder que as novas tecnologias tem de divulgar a produção dos artista. Porém é necessário também apoiar verdadeiramente os artistas, para que continuem produzindo.

Sara Miranda: Quais são suas referências criativas (artísticas ou não)?

Fael Rocha: Minhas referências criativas em um sentido mais amplo, são minha experiências com o mundo, memórias, afetos e delírios. Percebo também que meus pais exercem uma influência muito latente no meu processo criativo, tenho em mim o espirito inventivo do meu pai e o gosto pelo singelo e sutil de minha mãe. Enquanto referência estética me cabe a imensidão o sertão, seus mistérios e sabres.

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