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ENTREVISTA COM 
DAVI CAVALCANTE

Por Sara Miranda

Inaugurando a  série de entrevistas do site PreteSe, com os artistas negros sergipanos, o artista Davi Cavalcante é um artista multidisciplinar, comunicólogo por formação (UNIT), que desenvolve uma pesquisa extensa sobre a linguagem não-verbal a partir da investigação do corpo humano, da comunicação e de outros campos de pesquisa relacionados. Na entrevista foram realizadas perguntas a respeito da sua formação com artista, sobre as suas obras e seu olhar a respeito da divulgação das artes negras sergipanas. 

Sara Miranda: Como você se descobriu artista visual e como foi seu processo de formação considerando a educação informal, formal e não formal?

Davi Cavalcante:  Desde a minha transição da infância para adolescência, eu tive contato com a arte de forma técnica. Inicialmente através da música, estudando no Conservatório de Música do Estado de Sergipe e posteriormente desenvolvendo outros interesses de maneira informal, através da internet, que era algo novo em minha vivência na adolescência. Com esse acesso, eu pude ter contato com a escrita, a fotografia, o design, entre outras áreas que me ajudaram a formar um desejo de trabalhar com arte. Passado algum tempo, eu pude entrar na graduação de Comunicação Social e dentro do curso me reaproximar da fotografia, a primeira técnica que passei a dominar com a possibilidade de facilitar o aprendizado de outras pessoas através de cursos, oficinas e diálogos.

Com o passar dos anos, eu fui participando de algumas formações para o desenvolvimento do pensamento crítico, conceitual e criativo, trabalhando a parte técnica de uma maneira mais autodidata, buscando recursos através de diálogos, livros, vídeos, artigos na internet e da própria experimentação em ateliê. Foi em 2019, apesar de já compreender as minhas habilidades artísticas que eu entendi a possibilidade de viver de arte, quando participei da minha primeira exposição e ganhei o 1º lugar no 27° Salão dos Novos (Aracaju, Brasil) e pude no mesmo ano participar da minha primeira residência artística no Festival Cine Luso (Bruxelas, Bélgica).

Entendendo meus percursos, acredito que minha formação passou de um lugar solitário para ganhar um espaço de troca com o passar dos anos, onde fui percebendo que o meu trabalho também pode ganhar outra dimensão e projeção a partir do momento em que confio partes de sua execução a outras pessoas, o que me permite tempo para explorar a poética ao invés de ficar focado em executar toda a parte técnica.

Davi Cavalcante
Retrato de Davi Cavalcante por Rayanne Ellem.
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Sara Miranda: Em suas obras, você propõe um exame das questões sociais, principalmente sobre o corpo negro e suas relações com a sociedade contemporânea. Poderia falar um pouco do seu trabalho e suas pesquisas?

Davi Cavalcante:  Recente, quando passei a me apresentar como um corpo, percebi que algumas pessoas começaram a ler a minha obra de forma diferente, pois passaram a relacioná-la ao meu corpo: preto, nordestino, não-convencional. Algo que sempre esteve aqui, mas que só foi considerado pela maioria a partir do momento em que eu passei a descrever as minhas características físicas, sonoras, estéticas, geográficas, etc. Ser um corpo preto é uma relação intrínseca a minha existência. Não posso fugir da minha sombra, ela sempre estará aqui. E não quero fugir, apesar dos pesos que isso representa. Eu posso até acordar um dia querendo sentir o privilégio do homem branco, mas não importa a cor da roupa que eu coloque, os acessórios que eu use ou expressão que eu sustente na face. Eu vou sentir um olhar, um comentário, algo que só existe na minha vivência.

 

Quando busco investigar o meu corpo e outros corpos, eu acabo não pensando tanto na ideia de querer pautar tudo a partir da raça, pois a sensação do que quero falar surge antes do caminho que irei adotar - o ponto de vista. Ser preto é apenas uma das minhas características, mas sinto que mesmo quando esse não é o tema principal do meu trabalho, tenho diálogos sobre no processo de construção. Que corpo é esse? Quais seus afetos? Seria diferente se fosse outro? Como seria? Não saberei em pele, mas busco investigar essas diferenças entre leituras, laboratórios, diálogos, reflexões, escritas e produções. Eu acredito que parto de um lugar de intimidade sobre o que me inflama, que normalmente vem das relações entre corpo-espaço, corpo-sociedade, corpo-comunicação, para depois polir o conteúdo e encontrar a forma e o tom que quero conduzir o sujeito ao diálogo.

 

Às vezes isso se torna fotografia, audiovisual, performance, colagem, entre tantas outras possibilidades. É possível ler uma obra minha a partir de um olhar conceitual sobre o título apenas. Por exemplo, a performance 'Do que são feitos os muros, 2020' pode ser vista como uma obra que fala sobre ações humanas que alimentam a nossa separação. A mesma obra, quando lida sobre o olhar de que é um corpo preto construindo ela, pode conduzir o espectador para outro lugar que atinge as estruturas de uma sociedade racista. Acredito que eu posso tencionar esse diálogo da relação corpo preto e sociedade, mas nem sempre sinto ser pertinente no primeiro momento. É possível que uma pessoa branca, amarela, indígena, leia minha obra e encontre identificação, mas tem coisas que só uma pessoa preta vai captar. Isso eu já percebi em exposição, quando o silêncio tomou conta e um olhar resumiu a sensação de compreensão da coisa.

Sara Miranda: Qual a sua percepção em relação a divulgação do seu trabalho nos órgãos culturais do Estado? 

Davi Cavalcante: Sinto um descaso não apenas individual, mas coletivo. Individualmente falando, penso o quanto eu tenho que me esforçar para ser visto, mesmo tendo meu trabalho circulando em vários Estados do Brasil e outros países pontualmente. A sensação que tenho é que é preciso chamar atenção lá fora para ser notado dentro da própria casa. Essa cultura se repete não apenas em órgãos culturais, mas está intrínseco a cultura local do Sergipano. A falta de formação, que é outro problema de mediação da arte-educação e da ausência de espaços expositivos e formativos é outro agravante para prolongação dessa característica regional. 

Sara Miranda: Como você tem acompanhado a produção contemporânea de autoria negra no Estado de Sergipe?

Davi Cavalcante: Por estar num lugar de produção cultural também, além da função de artista-pesquisador, eu acabo seguindo diretamente amigos artistas e colegas que produzem. Infelizmente não temos um lugar para concentrar nossa produção intelectual e salvar nossa memória local. O que me faz encontrar muitos trabalhos tardiamente e às vezes ver muitos se perdendo no caminho, desistindo por falta de visibilidade, apoio.

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